Série Ausländer - Como tudo começou
Sociedade

Série Ausländer - Como tudo começou

Celso Celso Fernandes
18 de novembro de 2016

[Série Ausländer]

Série Ausländer

Assuntos relacionados à história de imigração na Alemanha e a nossa condição de suburbano-latino-americano na terra de seres superiores e iluminados.

Oi Gente, É hora de mais um post da Série Ausländer.

Antes da gente começar a pôr os pingos nos "i"s eu achei que seria interessante jogar um pouco de história em vocês. :-) Acho que é uma boa forma de dar um cabeçalho para esta saga que ainda vai se prolongar por alguns posts.

Bom então...como tudo começou?

No fim da Segunda Guerra Mundial a Alemanha encontrava-se novamente quebrada e no fundo do poço. Com a derrota das forças do Eixo (Alemanha, Japão e Itália), os  vencedores da guerra (Aliados) encontraram o caminho livre para dividir o mundo em um Bloco Oriental (socialista), um Bloco Ocidental (capitalista) e um "Terceiro Mundo".  Estes dois grandes blocos de ideologias distintas passaram, então, a travar uma disputa entre si para ver quem alcançaria o maior poder sobre o mundo. Esta disputa ficou conhecida como Guerra Fria, pois apesar de não ter ocorrido um confronto bélico ocorreu um confronto político liderado pelos Estados Unidos (bloco capitalista) e pela extinta União Soviética (bloco socialista).

Com o avanço dos socialistas sobre a Ásia e sobre o leste da Europa, os Estados Unidos começaram a temer pela sua hegemonia nestas regiões e lançaram mão de um plano para estabelecer o equilíbrio no mundo. Este plano previa um pacote econômico fenomenal para estimular o crescimento do capital na Europa e no Japão e previa também o financiamento e treinamento de governos de extrema direita para fazer a "segurança" contra os comunistas no Terceiro Mundo. Na Europa este plano ficou conhecido como o Plano Marshall e entrou em ação em 1947 perdurando por um período de 3 anos durante os quais um total de 1,4 Bilhão de Dólares foi injetado na economia alemã ocidental. Apesar desta injeção de capital, a indústria alemã ocidental estava sendo desmantelada e reduzida para os padrões vigentes no período pré Segunda Guerra. O motivo por trás deste desmantelamento era simplesmente impedir que a Alemanha Ocidental organizasse um novo levante militar e ao mesmo tempo garantir a igualdade de desenvolvimento dos países vizinhos uma vez que a produção alemã ficaria reduzida. O processo de controle sobre a produção alemã durou até o início da década de 50 quando o então presidente Konrad Adenauer solicitou aos Aliados que parassem com o desmantelamento. Ele considerava o atual   plano ridículo, já que desmontava e ao mesmo tempo incentivava o crescimento da indústria.

Bom o resultado de tudo isso é que aos poucos a rédia sobre a indústria alemã foi sendo afrouxada e a década de 50 trouxe um momento de grande prosperidade conhecido por aqui como Wirtschaftswunder ou milagre econômico.  Este foi um tempo muito especial para estar na Alemanha, já que o povo estava vivendo um sentimento de tranquilidade e relativa prosperidade. Esta recuperação "flash" da Alemanha foi possibilitada pela existência de uma população já educada e com grandes conhecimentos técnicos e pelo fortalecimento da indústria automobilística liderada principalmente pela Volkswagen.

Bom gente, para manter a economia crescendo os alemães logo perceberam que precisariam de ajuda. Em todas as partes da Alemanha Ocidental novas fábricas estavam reabrindo e vagas de emprego estavam sendo criadas por todo o país. O salário na Alemanha Ocidental cresceu cerca 80% num período de 8 anos e a medida que a população voltou a desfrutar de um nível social melhor, muitos passaram a negligenciar os empregos considerados mais braçais resultando numa deficiência de mão-de-obra neste setor.  Esta falta de mão-de-obra atingiu um ápice no inicio da década de 60 quando os Soviéticos ergueram o Muro de Berlim impedindo de vez o fluxo de alemães orientais para a Alemanha Ocidental.

A solução que a Alemanha Ocidental encontrou para este problema foi "importar" mão-de-obra através de um programa feito com a Turquia, Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Eslováquia, Marrocos e Tunísia. Durante a década de 60 e 70, a Alemanha Ocidental abriu suas portas para imigrantes destes países a fim de suprir a sua necessidade por trabalhadores que ocupassem cargos de baixa qualificação, chamando-os de Gastarbeiter. Os trabalhadores estrangeiros, na verdade, já começaram a chegar na época da Alemanha nazista. Porém durante este período os trabalhadores eram denominados Fremdarbeiter e eram quase todos provenientes das regiões ocupadas pelo exército nazista. Quase todos exerciam trabalho forçado e após o fim da guerra o termo Fremdarbeiter caiu em desuso para evitar constrangimento.

A primeira onda

O programa de Gastarbeiter foi pensado para ser algo temporário, aonde os trabalhadores viriam para a Alemanha trabalhar alguns anos, juntar dinheiro, adquirir conhecimento e retornar para seus lares aonde lá ajudariam na reconstrução e gastariam a sua grana.

Prestem bem atenção agora.... de todos estes grupos os turcos merecem atenção especial e serão tema de um próximo post da série Ausländer. Por hora, saibam apenas que eles constituíram o maior contingente de Gastarbeiter, pois a Turquia exerceu uma pressão no governo alemão para aceitar os seus imigrantes. Os EUA por sua vez reforçou esta pressão, pois queriam estabilizar a Turquia o mais rápido possível. Os alemães portanto, eram contra esta larga entrada de turcos no país devido a imensa diferença cultural entre Turquia e Alemanha. Isto mais tarde resultaria num problema social que também será assunto da nossa série.

Um dos grupos mais bem sucedidos foram os espanhóis, portugueses e os italianos. Apesar dos imigrantes destes países serem em sua maioria camponeses sem educação, seus filhos se adaptaram bem na sociedade alemã e adquiriram educação superior. Os muçulmanos, em contra partida, não se adaptaram bem a nova sociedade e muitas destas pessoas encontravam-se desempregadas.  O governo Alemão logo percebeu que mandá-las de volta para casa sairia mais barato do que mantê-las aqui e resolveu promover a volta destes imigrantes através do pagamento de um prêmio a todos que resolvessem retornar as suas terras de origem. Este prêmio foi chamado de Rückkehrprämie e era pago num valor de 10.500 DM por trabalhador, mais 1.500 DM para a esposa e mais 1.500 DM para cada filho.

A segunda onda A segunda onda de imigrantes na Alemanha aconteceu por volta da virada do milênio com a união da Europa e o início do Euro. Ao contrário dos imigrantes da primeira onda, estes novos estrangeiros vieram para cá provenientes de zonas de conflito ( regiões controladas pelo talibã, Síria e África) atraídos pela forte economia alemã e pelo padrão de vida mais elevado. O atual contingente de estrangeiros, porém, vai além dos imigrantes da primeira e segunda onda. Hoje vivem na Alemanha gente de todos os cantos do mundo e pelos mais variados motivos. Aqui vivem milhares de estudantes asiáticos, profissionais de multinacionais expatriados, mulheres casadas com alemães e por aí vai...

Até muito recentemente a Alemanha não se via como um país de imigração e por isso nunca se preparou com antecedência para receber o mar de gente estrangeira que vive aqui agora. O resultado disso é um problema social que irei tentar explicar ao longo da série. O governo alemão tomou várias medidas para amenizar os efeitos negativos desta falta de planejamento e tentar diminuir a diferença social no país. Hoje existem vários programas de integração para estrangeiros e o tempo necessário para adquirir a cidadania alemã caiu de 15 anos para 8 anos. Apesar de todas estas medidas, ainda tem muito problema. Se de um lado os alemães são sim preconceituosos com os estrangeiros, de outro muitos estrangeiros colaboram para este preconceito.

Este post está ficando looongo e eu vou cortando ele por aqui. Agora você já sabe como começou esta onda de estrangeiros aqui na Alemanha e possui base para entender o conteúdo que está por vir. Se você odeia história, este post deve ter sido uma tortura! Peço desculpas e garanto que ele foi necessário. Entender esta parte, vai fazer toda a diferença nos assuntos a seguir. Como eu disse acima, eu irei dedicar um pouco mais de atenção para os turcos no próximo post. Infelizmente ele ainda terá um saborzinho de aula de história, porém mais uma vez garanto que vai valer a pena. Lá pela quarta semana quando eu começar a contar os meus relatos pessoais e as coisas que vi e vivi aqui, você irá entender o motivo.

Bom galera, desejo a todos uma semana bem produtiva e não vejo a hora de encontrá-los de novo no terceiro post da série.

Até!
Alguns perrengues que eu já passei na Alemanha
Série Ausländer - Turcos na Alemanha
Celso Fernandes
Celso Fernandes
Autor
Engenheiro, empreendedor e programador de fim de semana.  Natural de Petrópolis, RJ. Trinta e poucos anos de idade e há dez anos vivendo na Alemanha. Escreveu o primeiro post no Batatolandia em 2008 e desde então não parou mais.

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